The Tudors é uma série de drama baseada na história de Henrique VIII da Inglaterra. Foi criada por Michael Hirst e é exibida nos Estados Unidos pelo canal Showtime, no Brasil é transmitida pelo People+Arts e em Portugal pelo canal estatal RTP 1 e pelo canal ZON TV Cabo MOV. O enredo deste seriado foi inspirado na dinastia inglesa Thudor, com a tomada do trono por Henrique VIII, se desdobrando nos dramas políticos, amorosos e religiosos que pautaram a vida desse soberano monarca, marcada principalmente por seus seis casamentos e a ruptura com a Igreja Católica, dando início ao protestantismo na Inglaterra.
O desenrolar deste seriado, que já conta com 3 temporadas exibidas e uma quarta em fase de produção, começa historicamente por volta de 1518 e espera-se chegar a 1558, com a subida ao trono da Rainha Elizabeth I, filha de Herinque VIII com sua segunda esposa Ana Bolena. A primeira temporada cobre os acontecimentos entre 1518 e 1530 do reinado de Henrique VIII de Inglaterra, num total de dez episódios, cada um representando um ano. Esta temporada demonstra como o rei é testado na sua eficácia em reagir aos conflitos internacionais, bem como nas intrigas políticas da sua própria Corte. A pressão para o Rei ter um herdeiro varão leva à ascensão de Ana Bolena a rainha.
A segunda temporada cobre os acontecimentos entre 1531 e 1536, durante o reinado de Henrique VIII, num total de dez episódios. Henrique corta relações com a Santa Sé, instituindo a Igreja de Inglaterra, da qual ele é seu Chefe. O cisma com a Igreja Católica e a fundação da nova Igreja de Inglaterra, abre caminho para o banimento de Catarina de Aragão. Ana Bolena casa-se com o rei, tronando-se assim rainha, mas a sua inacapacidade de dar um herdeiro varão a Henrique, leva-a à morte.
A terceira temporada cobre os acontecimentos entre 1536 e 1540, durante o reinado de Henrique VIII, num total de oito episódios. A temporada três incide sobre os casamentos de Henrique VIII com Jane Seymour, e posteriormente, com Ana de Cleves e o período da Peregrinação da Graça, onde o rei se mostra com particular crueldade. A temporada acaba com o casamento do rei com Catarina Howard.
Muitos outros personagens poderiam ser analisados, como a parte que tange aos lideres católicos. No entanto, creio que os exemplos desses personagens principais resumem a essência da pesquisa dedicada à concepção do guarda-roupa dessa série. Um trabalho digno de muitos prêmios, que exalta a paixão do telespectador e estimula os amantes – como eu – dessa arte: figurino e indumentária.
ANÁLISE DE FIGURINO
A série The Tudors é uma obra inspirada na história dessa dinastia que devido às licenças poéticas - alvo de muitas críticas - está recheada de distorções em relação a personagens, alguns períodos e fatos históricos. No entanto, este trabalho se propõe à análise do figurino, que justificado pelo meu interesse em pesquisa de trajes de época, se pontua de forma brilhante na produção dessa série.
Idealizado pela figurinista Joan Bergin, o figurino de The Tudors recebeu várias premiações em todas as três temporadas, desde 2007, como o Emmy de melhor design de guarda-roupa para séries televisivas. Inspirada no próprio renascimento e em designers de moda contemporâneos que também beberam nessa fonte, Bergin trás um figurino bem fiel à época, mas com um toque de certa contemporaneidade em alguns aspectos. Isso se deu principalmente com o uso de tecidos mais tecnológicos e algumas adaptações de modelagem para causar maior impacto e arrebatamento no espectador.
Observando essa imagem de uma dança incorporada a uma apresentação teatral, quande o Rei Henrique VIII conhece Ana Bolena, encontramos, conforme afirmação de Bergin, a inspiração em quadros de Degas e em uma coleção da Balenciaga. É possível notar referências do renascimento em vários momentos como nos recortes da parte superior do vestido que simulam a modelagem dos corsets, além do acentuado decote quadrado, tão característico dessa época. Ainda há o acessório do pescoço, que remetem diretamente ao desenvolvimento das golas renascentistas que desembocaram nos rufos. Há também uma simulação de uma manga, que não veste todo o braço, mas que fica sob ele, pendurada ao vestido, inspirada nas mangas longas, largas e em bicos dos vertugados renascentistas, ainda uma herança do período medieval.
Além de todos esses detalhes, o figurino impressiona pela leveza dos tecidos em que foram confeccionados e poderiam ser facilmente caracterizados como uma produção contemporânea. Nesse caso aqui, justifica-se pela proximidade ao trabalho de Nicolas Ghesquière, designer da Balenciaga.
O figurino de Henrique VIII trás outra característica bem marcante da produção que foi tentar ser o mais realista possivel à sua indumentária. Fora as aparências físicas dos personagens não serem compatíveis, quanto ao figurino pode-se dizer que houve uma preocupação quase museológica na sua produção.
É possível perceber uma semelhança muito grande, principalmente nas características que definem a indumentária masculina renascentista. A principal delas é o uso do gibão, “que normalmente eram acolchoados, podendo ou não ter mangas, abotoado à frente e com uma basque sobre o calção”. As mangas eram presas ao corpo da peça por atacadores e para disfarçar havia uma espécie de adorno almofadado preso sobre essa união. É fácil obervar esses detalhes presevados no figurino da maioria dos personagens masculinos da série. Ainda sobre as características masculinas, observa-se sobre o gibão o uso da jacket, parecida com uma túnica aberta à frente e de grande planejamento. Era muito utilizada principalmente para atividades de montaria.
“A parte inferior das roupas era composta pelos calções bufantes que, a princípio, eram mais longos, porém encurtaram-se de uma tal forma que ficaram muito pequenos”. Tanto esses calções, como o próprio gibão, eram comumente recortados em faixas, de modo que fosse possível aparecer as roupas usadas por baixo. Essa é uma característica tanto da indumentária masculina, como da feminina, sendo que nesse último caso, eram mais comuns esses recortes nos ombros e mangas do vertugado.
Outra característica já citada anteriormente, mas bem expressa nessa imagem, foi o uso da gola rufo que aparece inicialmente de forma discreta, como o usado pelo personagem de Henrique VIII nessa cena. Essas golas eram brancas e podiam ser ornadas de rendas. Também usadas por homens e mulheres, se desdobravam em um dos símbolos de prestigio social da época e foram muito difundidas pelos espanhóis no período do barroco. Uma grande variação desse rufo aparece posteriormente, amplamente usado na Inglaterra, principalmente pela filha de Henrique VIII, Elizabeth I. Trata-se de uma gola que cresceu tanto, que atingiu proporçõe inimagináveis. O filme Elizabeth – A era de ouro, com figurino de Alexandra Byrne, ilustra bem esse tipo de adorno.
Quanto ao figurino das personagens femininas, também há uma grande riquesa de detalhes e referências similares às características empregadas para a produção da indumentária masculina. O renascimento se mantém presente em quase todos os aspectos.
Observando essa imagem de Ana Bolena com sua personagem interpretada por Natalie Dormer, nota-se um esmero apurado no figurino, no que tange principalmente aos acessórios. Era comum à época as mulheres adornarem os cabelos com tiaras de rendas e pérolas, muitas vezes acentuando a testa, com os cabelos puxados para trás ou atém mesmo raspando os cabelos próximos ao alto da face. O quadro Monalisa de Da Vinci é um bom exemplo desse detalhe. “As pérolas, assim como o uso de jóias em geral, o ouro e pedras preciosas” foi um facínio da mulher renascentista e estiveram muito presentes nesse período na cultura inglesa e italiana.Outra informação interessante é sobre esse famoso colar de Ana Bolena, todo em pérola com um pingente em forma da letra B e 3 pérolas em pingos na extremidade. Esse acessório é internacionalmente conhecido através da pintura ilustrada acima, no entanto, a partir deste seriado, tornou-se objeto de desejo de muitas mulheres, entrando para o leque de produtos de moda midiados pela TV.
Os vestidos renascentistas eram bastante coloridos, devido principalmente ao avanço do setor têxtil nas cidades italianas, que possibilitaram o desenvolvimento de tecidos mais luxuosos e brilhantes. A referência a esses tecidos foi muito utilizada no figurino de Ana Bolena. Por possuir características na trama profundamente relacionadas ao poder, luxúria e ambição, responsável pela sedução ao rei, a abundância de cores combinavam perfeitamente com o seu personagem.
Um exemplo disso está expresso nessa imagem, um requintado vestido em veludo vermelho, bordade em fios dourados. Nada melhor para uma representação de poder e sedução para um personagem feminino como o de Ana Bolena .
Como uma importante representante das cortes espanholas, filha de Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, Catarina trás, em sua personalidade e por desdobramento, em seu traje, a austeridade das cortes católicas.
A personagem Catarina de Aragão, primeira e “legítima” esposa de Henrique VIII, também tem seu figurino elaboradíssimo. Sua confecção segue as regras de pesquisa histórica e imagética utilizada para a maioria dos outros personagens.
Muitos outros personagens poderiam ser analisados, como a parte que tange aos lideres católicos. No entanto, creio que os exemplos desses personagens principais resumem a essência da pesquisa dedicada à concepção do guarda-roupa dessa série. Um trabalho digno de muitos prêmios, que exalta a paixão do telespectador e estimula os amantes – como eu – dessa arte: figurino e indumentária.
Javer Volpini / Juiz de Fora, janeiro de 2010.